sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Tarot e os Elementos

O Tarô e os elementos

Os antigos concebiam o fogo, a água e o ar como elementos puros. Estavam vinculados às três qualidades de ser, conhecimento e alegria (êxtase), mencionadas anteriormente. Correspondem, inclusive, ao que os hindus chamam de três Gunas - Sattvas, Rajas e Tamas, que se pode traduzir a grosso modo como calma, atividade e escuridão indolente. Os alquimistas tinham três princípios similares de energia, dos quais são compostos todos os fenômenos existentes: enxofre, mercúrio e sal. Este enxofre é atividade, energia, desejo; mercúrio é fluidez, inteligência, o poder da transmissão; o sal é o veículo destas duas formas de energia, mas ele próprio possui qualidades que reagem a elas.

O estudante deve ter em mente todas essas classificações tripartidas. Em alguns casos, um conjunto será mais útil que os outros. De momento, convém concentrar-se na série fogo, água, ar. Estes elementos são representados no alfabeto hebraico pelas letras Shin, Mem e Aleph. Os qabalistas as chamam de Três letras-mãe. Neste grupo particular, os três elementos envolvidos são formas completamente espirituais de energia pura; somente podem se manifestar na experiência sensível afetando os sentidos cristalizando-se num quarto elemento que eles chamam de terra, representado pela última letra do alfabeto, Tau. Esta, então, é uma outra interpretação totalmente diferente da idéia da Filha, que é aqui considerada um apêndice do triângulo. É o número dez suspenso do 7, 8, 9 no diagrama.

Estas duas interpretações precisam ser mantidas na mente ao mesmo tempo. Os qabalistas, planejando o Tarô, produziram figuras dessas idéias extremamente abstratas do Pai, Mãe, Filho e Filha, e as denominaram Rei, Rainha, Príncipe e Princesa. É confuso, mas também foram chamadas de Cavaleiro, Rainha, Rei e Princesa. Às vezes, ainda, o Príncipe e a Princesa são denominados Imperador e Imperatriz.

O motivo dessa confusão está relacionado com o doutrina d’O Louco do Tarô, o lendário viandante que ganha a filha do Rei, uma lenda que está ligada ao antigo e extremamente sábio plano de selecionar o sucessor de um rei por sua habilidade para conquistar a Princesa entre todos os competidores (O Ramo Dourado, de Frazer, constitui a autoridade sobre este assunto).

Achamos melhor, para o baralho que aqui apresentamos, que adotássemos os termos Cavaleiro, Rainha, Príncipe e Princesa para representar a série Pai, Mãe, Filho, Filha, porque assim exige a doutrina envolvida, extraordinariamente complexa e difícil. O Pai é Cavaleiro, porque é representado montando um cavalo. Pode-se proporcionar mais clareza em relação a isto descrevendo-se os dois sistemas principais, o hebraico e o pagão, como se fossem (e tivessem sempre sido) concretos e separados.

O sistema hebraico é direto e irreversível. Postula Pai e Mãe, de cuja união surgem o Filho e a Filha. E ponto final. É apenas a especulação filosófica posterior que deriva a díade Pai-Mãe de uma Unidade manifesta, e a mais posterior ainda que busca a fonte dessa Unidade no nada. Este é um esquema concreto e limitado, tosco, com seu início sem causa e seu fim estéril.

O sistema pagão é circular, auto-gerado, auto-nutrido, auto-renovado. É uma roda sobre cujo aro estão Pai - Mãe - Filho - Filha; eles se movem em torno do eixo imóvel do Zero; eles se unem à vontade; eles se transformam entre si; não há início nem fim para a órbita; nenhum é superior ou inferior ao outro. A equação “nada = muitos = dois = um = tudo = nada” está implícita em todo modo do ser do sistema.

Por mais difícil que isso seja, ao menos um resultado bastante desejável foi atingido: explicar o por que do Tarô ter quatro cartas da corte, e não três. Também explica o por que de haver quatro naipes. Os quatro naipes são nomeados como se segue: bastões, atribuídos ao fogo; Copas, à água; Espadas, ao ar; e Discos (Discos ou pantáculos), à terra. O estudante perceberá esta interação e permuta do número 4. É igualmente importante para ele observar que mesmo no arranjo décuplo, o número 4 desempenha seu papel. A Árvore da Vida pode ser dividida em quatro planos: o número 1 corresponde ao fogo; os números 2 e 3, à água; os números 4 a 9, ao ar; e o número 10 à terra. Esta divisão corresponde à análise do homem. O número 1 é sua essência espiritual, sem qualidade ou quantidade; os números 2 e 3 representam seus poderes criativos e transmissivos, sua virilidade e sua inteligência; os números 4 a 9 descrevem suas qualidades mentais e morais tal como estão concentradas em sua personalidade humana; o número 6, por assim dizer, é uma elaboração concreta do número 1; e o número 10 corresponde à terra, que é o veículo físico dos nove números anteriores. Os nomes destas partes da alma são: 1, Jechidah; 2 e 3, Chiah e Neschamah; 4 a 9, Ruach; e, por último, 10, Nephesch.

Estes quatro planos correspondem, mais uma vez, aos chamados Quatro Mundos, cujas naturezas podem ser compreendidas por referência, com todas as devidas reservas, ao sistema platônico. O número 1 é Atziluth, o Mundo Arquetípico, mas o número 2, sendo o aspecto dinâmico do número 1, é a sua atribuição prática. O número 3 é Briah, o Mundo Criativo, no qual a Vontade do Pai toma forma através da Concepção da Mãe, exatamente como o espermatozóide ao fertilizar o óvulo torna possível a produção de uma imagem de seus pais. Os números 4 a 9 compreendem Yetzirah, o Mundo Formativo, no qual uma imagem intelectual, uma forma apreciável da idéia, é produzida; e essa imagem mental se torna real e sensível no número 10, Assiah, o Mundo Material.

É caminhando por todas essas atribuições confusas (e às vezes aparentemente contraditórias), com infatigável paciência e persistência, que se chega, por fim, a uma lúcida compreensão, a uma compreensão que é infinitamente mais clara do que qualquer interpretação intelectual poderia ser. É um exercício fundamental no caminho da iniciação. Caso se seja um racionalista superficial, será fácil captar furos em todas essas atribuições e hipóteses ou quase-hipóteses semi-filosóficas, mas é também absolutamente simples provar matematicamente ser impossível golpear uma bola de golfe.

Até aqui, o principal tema deste ensaio foi a Árvore da Vida em sua essência: as Sephiroth. Convém considerar agora as relações das Sephiroth entre si (ver diagrama). Perceber-se-á que vinte e duas linhas são empregadas para completar a estrutura da Árvore da Vida. No devido tempo, será explicado como tais linhas correspondem às letras do alfabeto hebraico. Nota-se que, em alguns aspectos, a maneira como são unidas parece arbitrária. É de se notar que existe um triângulo equilátero - que pode-se encarar como uma base natural para as operações de filosofia - que consiste dos números 1, 4 e 5. Mas não há linhas unindo 1 e 4, ou 1 e 5. Isto não é acidental. Em lugar algum da figura há uma triângulo equilátero ereto, embora haja três triângulos equiláteros com o ápice para baixo. Isso ocorre por causa da fórmula original “Pai, Mãe, Filho”, que se repete por três vezes numa escala descendente de simplicidade e espiritualidade. O número 1 está acima desses triângulos, porque é uma integração do zero e depende do tríplice véu do Negativo.

Por outro lado, as Sephiroth, que são emanações do número 1, como já foi mostrado, são coisas-em-si, quase no sentido kantiano. As linhas que as unem são forças da natureza, de um tipo muito menos completo; são menos abstrusas, menos abstratas.

As vinte e duas chaves, atu, ou trunfos do Tarô

Eis um excelente exemplo da doutrina do equilíbrio que a tudo permeia. Lê-se sempre a equação ax2 + bx + x = 0. Se não for igual a zero, não é uma equação. E assim, sempre que qualquer símbolo perde importância em um lugar na Qabalah, ele a ganha em outro. As cartas da corte e as cartas menores formam o esqueleto do Tarô em sua principal função, como mapa do universo. Mas, no que diz respeito ao significado especial do baralho como chave para fórmulas mágicas, os vinte e dois trunfos adquirem importância peculiar.

A que símbolos são atribuídos? Não podem ser identificados com nenhuma das idéias essenciais, porque este lugar está tomado pelas cartas de 1 a 10. Não podem representar primordialmente o complexo Pai, Mãe, Filho, Filha em sua plenitude, porque as cartas da corte já assumiram essa posição. Sua atribuição é a seguinte: as três letras-mãe do alfabeto hebraico, Shin, Mem e Aleph, representam os três elementos ativos; as sete chamadas letras duplas, Beth, Gimel, Daleth, Kaph, Pé, Resh e Tau representam os sete planetas sagrados. As doze letras restantes, Hé, Vau, Zain, Cheth, Teth, Yod, Lamed, Nun, Samekh, Ayin, Tzaddi e Koph representam os signos do zodíaco.

Há um ligeiro emparamento ou sobreposição nesse arranjo. A letra Shin tem que servir tanto para o fogo quanto para o espírito, da mesma maneira que o número 2 participa da natureza do número 1; e a letra Tau representa tanto Saturno, quanto o elemento terra. Nessas dificuldades reside uma doutrina.

Mas não se pode dispensar essas vinte e duas letras assim casualmente. A pedra que os construtores rejeitaram torna-se a parte mais importante do canto. Essas vinte e duas cartas adquirem uma personalidade própria: uma personalidade muito curiosa. Seria inteiramente errado afirmar que elas representam um universo completo. Parecem representar fases bastante curiosas do universo. Não parecem fatores essenciais na estrutura do universo. Mudam de tempos em tempos em sua relação com os eventos correntes. Um olhar no elenco de seus títulos parece não mostrar mais o espírito estritamente filosófico e científico de austera classificação encontrado nas outras cartas. A linguagem do artista salta sobre nós. Os títulos são: O Louco, O Prestidigitador (NT: O Mago), A Alta Sacerdotisa, A Imperatriz, O Imperador, O Hierofante, Os Amantes, A Carruagem, Volúpia, A Roda da Fortuna (NT: Fortuna), Ajustamento, O Pendurado, Morte, Arte, O Diabo, A Casa de Deus (NT: A Torre), A Estrela, A Lua, O Sol, O Aeon, O Universo. É óbvio que não são representações simbólicas francas, diretas dos signos, elementos e planetas envolvidos. São mais hieróglifos de mistérios peculiares vinculados a cada um. Pode-se começar a suspeitar que o Tarô não é uma mera representação direta do universo ao modo impessoal do sistema do Yi King. O Tarô começa a se parecer com propaganda. É como se os Chefes Secretos da Grande Ordem, que é a guardiã dos destinos da espécie humana, tivessem desejado apresentar certos aspectos particulares do universo, estabelecer certas doutrinas especiais, declarar certas modalidades de trabalho apropriados às situações políticas existentes. Diferem tal como uma composição literária difere de um dicionário.

Foi bastante lamentável, embora absolutamente inevitável, ser obrigado a ir tão longe na argumentação, e que esta argumentação tenha envolvido tantas digressões a título de notas preliminares sobre a descrição direta do baralho. Talvez tudo se torne mais simples procedendo-se à sumarização das afirmações acima.

Eis uma afirmação simples sobre o plano da Árvore da Vida. Os números, ou coisas-em-si, são dez emanações sucessivas provenientes do tríplice véu do Negativo. As cartas menores, numeradas de 1 a 10 correspondem às Sephiroth. Essas cartas são exibidas sob forma quádrupla, porque não são os puros números abstratos, mas símbolos particulares desses números no universo da manifestação, que é, por questão de conveniência, classificado sob a figura de quatro elementos.

As cartas da corte representam os próprios elementos, cada elemento dividido em quatro sub-elementos. Por comodidade, segue abaixo uma lista dessas cartas:

Cavaleiro de Bastões fogo do fogo
Rainha de Bastões água do fogo
Príncipe de Bastões ar do fogo
Princesa de Bastões terra do fogo



Cavaleiro de Copas fogo da água
Rainha de Copas água da água
Príncipe de Copas ar da água
Princesa de Copas terra da água

Cavaleiro de Espadas fogo do ar
Rainha de Espadas água do ar
Príncipe de Espadas ar do ar
Princesa de Espadas terra do ar

Cavaleiro de Discos fogo da terra
Rainha de Discos água da terra
Príncipe de Discos ar da terra
Princesa de Discos terra da terra


Os trunfos do Tarô são vinte e dois e representam os elementos entre as Sephiroth ou coisas-em-si, de sorte que a posição deles na Árvore da Vida é bastante significativa. Eis dois exemplos: a carta chamada Os Amantes, cujo título secreto é Os Filhos da Voz, o Oráculo dos Poderosos Deuses, conduz do número 3 ao número 6. O número 6 é a personalidade humana de um homem; o número 3, sua intuição espiritual. Portanto, é natural e significativo que a influência do 3 sobre o 6 seja aquela da voz da intuição ou da inspiração. É a iluminação da mente e do coração pela Grande Mãe.

Considere novamente a carta que une o número 1 ao número 6. Seu nome é A Alta Sacerdotisa e é atribuída à lua. A carta representa a Ísis Celestial, sendo um símbolo de completa pureza espiritual e iniciação em sua forma mais secreta e íntima, descendo sobre a consciência humana a partir da suprema consciência divina. Contemplada de baixo, é a aspiração pura e inabalável do homem à divindade, sua fonte. Será adequado tratar mais detalhadamente dessas matérias quando estivermos com as cartas separadamente.

Do exposto até aqui, transparece que o Tarô ilustra, primeiramente, a Árvore da Vida em seu aspecto universal e, em segundo lugar, o comentário particular que ilustra a fase da Árvore da Vida que interessa particularmente ãs pessoas encarregadas da guarda da espécie humana no momento específico da produção autorizada de dado baralho. É, conseqüentemente, correto para aqueles guardiões alterar o aspecto do baralho quando lhe parecer bom fazê-lo. O próprio baralho tradicional foi submetido a numerosas modificações, adotadas de acordo com a conveniência. Por exemplo, O Imperador e a A Imperatriz nos baralhos medievais se referiam de maneira absolutamente definida ao Santo Imperador Romano e sua consorte. A carta originalmente denominada O Hierofante, representando Osíris (como é mostrado pelo formato da tiara) tornou-se, no período renascentista, O Papa. A Alta Sacerdotisa passou a ser chamada de Papisa Joana, representando uma certa lenda simbólica que circulava entre os iniciados e se tornou vulgarizada na fábula de uma papisa. Ainda mais importante, O Anjo, ou O Juízo Final, representava a destruição do mundo pelo fogo. Seu hieróglifo é, de uma certa forma, profético, pois quando o mundo era destruído pelo fogo em 21 de março de 1904,* a atenção de alguém era inevitavelmente atraída para a semelhança dessa carta com a Estela da Revelação. Sendo este o início do novo aeon, pareceu mais adequado exibir o início do aeon, pois tudo que se sabe do próximo aeon, vigente por 2.000 anos, é que seu símbolo é aquela de cetro duplo.** Mas o novo aeon produziu alterações tão fantásticas na ordem estabelecida das coisas, que seria evidentemente absurdo tentar proceder às tradições desgastadas, pois “os rituais de outrora são negros.” Por conseguinte, o esforço deste escriba tem sido no sentido de preservar aquelas características essenciais do Tarô, que são independentes das alterações periódicas do aeon, ao mesmo tempo modernizando os aspectos dogmáticos e artísticos do baralho que acabaram por se tornar ininteligíveis. A arte do progresso consiste em manter incólume o eterno e, contudo, adotar uma posição de vanguarda, talvez em alguns casos quase revolucionária, com respeito aos acidentes que estão sujeitos ao império do tempo.

* Ver O Equinócio dos Deuses.
** Ver O Livro da Lei, III, 34. A referência é a Maat, Têmis, Senhora do equilíbrio.

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