sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Mago


I. O PRESTIDIGITADOR *

* Ainda neste mesmo ensaio e na própria carta por ele mesmo concebida, Crowley optará pelo título “O Mago”, em lugar de “O Prestidigitador” (NT).

Esta carta se refere à letra Beth, que significa casa, e é atribuída ao planeta Mercúrio. As idéias ligadas a este símbolo são tão complexas e tão multifárias que parece melhor vincular a esta descrição geral certos documentos que sustentam diferentes aspectos desta carta. O todo formará então uma base adequada para a interpretação plena da carta mediante estudo, meditação e uso.

O título francês desta carta no baralho medieval é Le Bateleur, o portador do bâton. ** Mercúrio é preeminentemente o portador do bastão: energia emitida. Esta carta representa, portanto, a Sabedoria, a Vontade, a Palavra, o Logos pelos quais os mundos foram criados (ver o Evangelho segundo São João, capítulo I). Representa a Vontade. Em suma, ele é o Filho, a manifestação em ato da idéia do Pai. Ele é o correlativo masculino d’A Alta Sacerdotisa. Que não haja confusão aqui por conta da doutrina fundamental do Sol e a Lua como a Segunda Harmonia para o lingam e o yoni, pois, como se perceberá na citação de The Paris Working, *** (ver apêndice) o criativo Mercúrio tem a natureza do Sol. Entretanto, Mercúrio é o caminho conduzindo de Kether a Binah, a Compreensão e assim ele é o mensageiro dos deuses, representando precisamente esse lingam, a Palavra de criação cujo discurso é silêncio.

** Variante: Le Pagad, de origem desconhecida. Sugestões de possíveis origens:
(1) PChD, terror (esp. pânico), um título de Geburah; também coxa, isto é, membro viril; por analogia
com o árabe, PAChD, causador de terror: valor 93 !!

(2) Pagode, um memorial fálico: similar e igualmente apropriado.
*** A Operação de Paris (NT).

Mercúrio, contudo, representa ação em todas as formas e fases. Ele é a base fluídica de toda transmissão de atividade e na teoria dinâmica do universo é, ele mesmo, a substância do universo. Ele é, na linguagem da moderna física, aquela carga elétrica que é a primeira manifestação do anel de dez idéias indefiníveis, como explicado anteriormente. Ele é assim criação contínua.

Logicamente também, sendo a Palavra, ele é a lei da razão ou da necessidade ou acaso, que é o significado secreto da Palavra, que é a essência da Palavra e a condição de seu pronunciamento. Sendo assim, e especialmente porque ele é dualidade, ele representa tanto verdade quanto falsidade, tanto sabedoria quanto loucura. Sendo o inesperado, ele desestabelece qualquer idéia estabelecida e portanto é enganador. Ele não tem consciência, sendo criativo. Se não consegue atingir seus fins através de meios limpos, ele usa meios sujos. As lendas do jovem Mercúrio são portanto lendas da astúcia. Ele não pode ser compreendido porque ele é a Vontade Inconsciente. Sua posição na Árvore da Vida mostra a terceira Sephira, Binah (Compreensão) como ainda por ser formulada; ainda menos a falsa Sephira, Da’ath, conhecimento.

Do exposto acima parecerá que esta carta é a segunda emanação da Coroa, e portanto, num certo sentido, a forma adulta da primeira emanação, O Louco, cuja letra é Aleph, a unidade. Estas idéias são tão sutis e tão tênues nestes planos exaltados do pensamento que a definição é impossível. Na verdade, não é sequer desejável, porque é da natureza dessas idéias fluírem uma para a outra. Tudo que se pode fazer é dizer que qualquer dado hieróglifo representa uma ligeira insistência sobre alguma forma particular de uma idéia pantomorfa. Nesta carta, a ênfase é sobre o caráter criativo e dualístico do caminho de Beth.

Na carta tradicional, o disfarce é o de um prestidigitador.

Esta representação do Prestidigitador é uma das mais grosseiras e menos satisfatórias do baralho medieval. Ele é usualmente representado com uma cobertura de cabeça de forma semelhante ao sinal do infinito em matemática (mostrado minuciosamente na carta chamada dois de Discos). Segura um bastão com uma saliência arredondada em cada extremidade, o que se ligava provavelmente à polaridade dupla da eletricidade; mas é também o bastão oco de Prometeu que traz fogo do céu. Sobre uma mesa ou altar, atrás do qual ele está de pé, estão as três outras armas elementares.

“Com a baqueta, Ele cria.
Com a Taça, Ele preserva.
Com a Adaga, Ele destrói.
Com a Moeda, Ele redime.
Liber Magi vv. 7-10.”

A carta que apresentamos aqui foi desenhada principalmente com base na tradição greco-egípcia, pois a compreensão dessa idéia foi certamente mais avançada quando essas filosofias modificaram-se reciprocamente do que em outra parte em qualquer época.

A concepção hindu de Mercúrio, Hanuman, o deus-macaco, é abominavelmente degradada. Nenhum dos aspectos mais elevados do símbolo é encontrado em seu culto. A meta de seus adeptos parece principalmente ter sido a produção de uma encarnação temporária do deus enviando as mulheres da tribo todo ano ao interior da selva. Tampouco localizamos qualquer lenda de alguma profundidade ou espiritualidade. Hanuman é seguramente pouco mais que o macaco de Thoth.

A principal característica de Tahuti ou Thoth, o Mercúrio egípcio, é em primeiro lugar ter a cabeça da íbis. A íbis é o símbolo da concentração porque se supunha que esta ave permanecia continuamente sobre uma perna, imóvel. Trata-se muito evidentemente de um símbolo do espírito meditativo. Pode ter havido também alguma referência ao mistério central do Aeon de Osíris, o segredo guardado tão cuidadosamente do profano, que a intervenção do macho era necessária para a produção de filhos. Nesta forma de Thoth, ele é visto portando o bastão da fênix, simbolizando ressurreição mediante o processo generativo. Em sua mão esquerda está Ankh, que representa uma correia de sandália, ou seja, o meio de progresso através dos mundos, que é a marca distintiva da divindade. Mas, por sua forma, este Ankh (crux ansata) é realmente uma outra forma da Rosacruz, não sendo este fato talvez tal acidente como modernos egiptólogos, preocupados com sua tentada refutação da escola fálica de arqueologia, nos fariam supor.

A outra forma de Thoth o representa primariamente como Sabedoria e Palavra. Ele segura na mão direita o estilo, na esquerda o papiro. Ele é o mensageiro dos deuses; transmite a vontade deles por meio de hieróglifos inteligíveis ao iniciado e registra os atos deles. Mas foi notado desde tempos remotos que o uso do discurso, ou escrita significou a introdução da ambigüidade na melhor das hipóteses e da falsidade na pior; representaram, portanto, Thoth seguido por um macaco, o cinocéfalo, cuja função era distorcer a Palavra do deus, arremedar, simular e ludibriar. Na linguagem filosófica, pode-se dizer: a manifestação implica na ilusão. Esta doutrina é encontrada na filosofia hindu, onde o aspecto do Tahuti de que estamos falando é chamado de Maya. Esta doutrina também é encontrada na imagem central e típica da escola Mahayana do budismo (realmente idêntica à doutrina de Shiva e Shakti). Uma visão dessa imagem será achada no documento intitulado O Senhor da Ilusão (ver Apêndice).

A presente carta se empenha em representar todas as concepções acima expostas. E, contudo, nenhuma imagem verdadeira é possível de modo algum pois, primeiro, todas as imagens são necessariamente falsas como tais, e segundo, sendo o movimento perpétuo e sua taxa aquela do limite, c, o grau de velocidade de luz, qualquer êxtase contradiz a idéia da carta: esta figura é, portanto, dificilmente mais do que apontamentos mnemônicos. Muitas das idéias expressas no desenho estão bem expostas nos extratos de The Paris Working (ver Apêndice).

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