quinta-feira, 2 de abril de 2009

EVIDÊNCIA DE UMA TRADIÇÃO DE INICIADOS DO TARÔ

1. Éliphas Lévi e o Tarô

Embora as origens do Tarô sejam perfeitamente obscuras, há uma porção bastante interessante da história absolutamente moderna, bem enquadrada na memória do homem vivo, que é extremamente significativa e em relação à qual se constatará, à medida em que a tese é desenvolvida, que sustenta o Tarô de uma forma notabilíssima.

Em meados do século XIX, surgiu um grande cabalista e estudioso, que ainda incomoda as pessoas obtusas devido ao seu hábito de divertir-se às suas custas, fazendo-as de tolas postumamente. Seu nome era Alphonse Louis Constant e era um abade da Igreja romana. Para obter seu nom-de-guerre, traduziu seu nome de batismo para o hebraico: Éliphas Lévi Zahed, sendo conhecido mais comumente por Éliphas Lévi.

Lévi era um filósofo e um artista, além de ser um supremo estilista em literatura e um gracejador prático da variedade denominada Pince sans rire; e, sendo artista e profundo simbolista, era imensamente atraído pelo Tarô. Quando se achava na Inglaterra, propôs a Kenneth Mackenzie, famoso estudioso do oculto e maçom de alto grau, a reconstituição e edição de um baralho concebido cientificamente.

Nas suas obras, ele apresenta novas representações dos trunfos chamados A Carruagem e O Diabo. Parece ter entendido que o Tarô era realmente uma forma pictórica da Árvore da Vida qabalística, que é a base de toda a Qabalah, a tal ponto que compôs suas obras apoiando-se sobre essa base. Quis escrever um tratado completo de magia. Dividiu seu assunto em duas partes: teoria e prática, as quais denominou respectivamente Dogma e Ritual. Cada parte possui vinte e dois capítulos, um para cada qual dos vinte e dois trunfos; cada capítulo trata do assunto representado pela figura exibida pelo trunfo. A importância da precisão da correspondência será mostrada no devido tempo.

Neste ponto, aportamos para uma ligeira complicação. Os capítulos apresentam correspondência, mas o fazem erroneamente, o que só pode ser explicado pelo fato de Lévi sentir-se preso pelo seu juramento original de segredo à Ordem dos Iniciados que lhe concedera os segredos do Tarô.

2. O Tarô nos manuscritos cifrados

Na época da Revolução Francesa, a partir dos meados do século XVIII, ocorreu um movimento similar na Inglaterra, cujo interesse se centrava nas religiões antigas, suas tradições de iniciação e taumaturgia. Sociedades de estudiosos, algumas secretas ou semi-secretas, foram fundadas ou restabelecidas. Entre os membros de um desses grupos (a Loja maçônica Quatuor Coronati), havia três homens: o Dr. Wynn Westcott, um médico legista de Londres, o Dr. Woodford e o Dr. Woodman. Há uma certa controvérsia quanto a qual desses homens se dirigiu a Farrington Road, ou se foi a Farrington Road que se dirigiram. Qualquer que seja o caso, não há dúvida de que, lá, um deles comprou um livro antigo, de um obscuro livreiro ou o encontrou numa biblioteca. Isso aconteceu em torno de 1884 ou 1885, e é indiscutível que nesse livro se encontravam alguns documentos avulsos, cifrados. Esses manuscritos cifrados continham o material para a fundação de uma sociedade secreta, a qual pretendia conferir a iniciação por meio de rituais.

Entre aqueles manuscritos, havia uma correspondência dos trunfos do Tarô às letras do alfabeto hebraico. Quando isto é examinado, fica absolutamente claro que a atribuição errada de Lévi relativamente às letras foi deliberada, pois ele conhecia a correspondência correta e considerava seu dever ocultá-la (tendo-lhe sido grandemente problemático camuflar seus capítulos!).

Supõe-se que os manuscritos cifrados datavam dos primeiros anos do século XIX. Há uma nota numa das páginas que parece ser na letra de Éliphas Lévi. Parece extremamente provável que ele tenha tido acesso a esse manuscrito quando visitou Bulwer-Lytton na Inglaterra. De uma forma ou de outra, como já foi observado, Lévi mostra constantemente que conhecia as correspondências corretas (com a exceção, é claro, de Tzaddi; - por que? - veremos na seqüência) e tentou usá-las sem desvelar indevidamente quaisquer dos segredos que havia jurado guardar.

Tão logo se esteja de posse das correspondências ou atribuições verdadeiras, o Tarô salta para a vida. Sua justeza causa perplexidade intelectual. Todas as dificuldades produzidas pelas atribuições tradicionais, tal como entendidas pelos estudiosos comuns, desaparecem num átimo. Por esta razão, tende-se a dar crédito à pretensão dos promulgadores do manuscrito cifrado, de que eram guardiões de uma tradição da verdade.

3. O Tarô e a Ordem Hermética da Golden Dawn

Deve-se agora discorrer a respeito da história da Ordem Hermética da Golden Dawn, a sociedade reconstituída pelo Dr. Westcott e seus colegas, a fim de exibir provas adicionais da autenticidade da pretensão dos promulgadores do manuscrito cifrado.

Em meio a esses documentos, além da atribuição do Tarô, havia certos esboços de rituais, que pretendiam conter os segredos da iniciação; o nome (com um endereço na Alemanha) de uma certa Fraülein Sprengel era mencionado como se fosse o da autoridade emissora. O Dr. Westcott escreveu-lhe e, mediante a permissão dela, a Ordem da Golden Dawn foi fundada em 1886.

(A G. D. é apenas um nome da Ordem Externa ou Preliminar da R..R.. et A..C.* , que é, por sua vez, uma manifestação externa da A\A\**, que é a verdadeira Ordem dos Mestres*** (ver Magick).


* Rosae Rubeae et Aureae Crucis (NT).
** Astrum Argenteum (NT).
*** Uma impudente fraude sem substância e de crescimento meteórico intitulando a si mesma Order of Hidden Masters apareceu recentemente... e desapareceu.


O gênio que tornou isso possível foi um homem chamado Samuel Liddell Mathers. Depois de certo tempo, Fraülein Sprengel morreu. Uma carta a ela dirigida, solicitando conhecimento mais avançado, ensejou uma resposta de um de seus colegas. Esta carta informava ao Dr. Westcott sobre a morte dela e acrescia que o autor da missiva e seus colegas jamais haviam aprovado a ação de Fr. Sprengel, no sentido de autorizar qualquer forma de trabalho de grupo, mas que, devido à grande reverência e estima que tinham por ela, preferiram deixar de adotar uma oposição aberta. Prosseguia dizendo que “essa correspondência tinha que cessar agora”, mas que, se eles desejassem mais conhecimento avançado, poderiam perfeitamente obtê-lo utilizando de maneira apropriada o próprio conhecimento que já detinham. Em outras palavras, deviam empregar seus poderes mágicos para fazer contato com os Chefes Secretos da Ordem (o que é, a propósito, um procedimento bastante normal e tradicional).

Pouco depois, Mathers, que fizera manobras que o levaram à chefia da Ordem, anunciava que havia realizado esse vínculo e que os Chefes Secretos o tinham autorizado a continuar o trabalho da Ordem, sob sua exclusiva orientação. Entretanto, nada há, neste caso, que evidencie que seu testemunho correspondesse à verdade, pois nenhum conhecimento novo particularmente importante chegou à Ordem, a ponto de realmente parecer comprovado existir não mais do que aquilo que Mathers poderia ter adquirido por meios normais, de fontes bastante acessíveis, como o Museu Britânico. Estas circunstâncias, somadas a muita intriga trivial, conduziram a uma séria insatisfação entre os membros da Ordem. Nesse caso, a idéia defendida por Fr. Sprengel, de que o trabalho de grupo numa Ordem deste tipo é possível, revelou-se equivocada. Em 1900, a Ordem, sob a forma então existente, estava destruída.

O motivo desses dados é simplesmente mostrar que, naquela época, a preocupação principal de todos os membros sérios da Ordem era entrar em contato com os próprios Chefes Secretos. Em 1904, o sucesso foi obtido por um dos mais jovens membros da Ordem, Frater Perdurabo. Os detalhes completos deste acontecimento são dados em The Equinox of the Gods (O Equinócio dos Deuses). *


* A mensagem dos Chefes Secretos é dada n’ O Livro da Lei, que foi editado privadamente para iniciados e publicado em O Equinócio, vol. I, números 7 e 10; também em O Equinócio dos Deuses. Em Português, O Livro da Lei encontra-se no volume “Qelhma - Os Livros Sagrados de Thelema” (Equinócio III.9), co-publicado pelas editoras Anúbis e Madras.



Não seria útil, nesta oportunidade, discutir-se sobre a prova que estabelece a verdade dessa pretensão. Mas cumpre observar que se trata de evidência interna. Ela existe no próprio manuscrito. Não faria diferença se a afirmação de quaisquer das pessoas envolvidas viesse a se mostrar falsa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário